O
terrível e chocante custo humano do desastre do voo 4U9525 da Germanwings, que
caiu nos Alpes franceses em 24MAR2015, é fácil de determinar: 150 pessoas
mortas, mas muito mais difícil de estimar é o efeito sobre as famílias das
vítimas que perderam seus entes queridos na tragédia.
Investigadores
afirmaram que o copiloto Andreas Lubitz, suspeito de ter deliberadamente
provocado o acidente, escondeu informações sobre seu estado de saúde e teria
recebido tratamento para tendências suicidas no passado.
Mas uma
companhia aérea é legalmente obrigada a compensar as famílias das vítimas? E um
eventual problema mental sofrido pelo copiloto pode interferir no momento das
indenizações a serem pagas?
A
resposta a ambas as perguntas parece ser sim, segundo advogados especializados
em assuntos relativos à aviação.
Segundo
as regras da aviação sobre a morte de passageiros, existe uma determinada
quantidade de dinheiro que a companhia aérea deverá pagar, se a família
consegue provar que sofreu um dano econômico, de acordo com o advogado Jim
Morris, sócio da Irwin Mitchell.
Morris,
que se especializou como representante de vítimas e de suas famílias em
desastres aéreos, disse que há um conjunto de regras ─ a convenção de Montreal
─ que esclarece o valor das indenizações que familiares podem reclamar à
Justiça.
Números
específicos
Para
começar, a companhia aérea deve pagar 113 mil Direitos Especiais de Giro (DEGs)
─ uma forma de dinheiro internacional – valor equivalente a US$ 156 mil (R$ 504
mil) por passageiro ─ se a família conseguir provar o impacto do dano
econômico.
Em outras
palavras, se a perda de renda ocasionada pela interrupção brusca da vida da
vítima for de pelo menos US$ 156 mil (R$ 504 mil), a companhia aérea deve pagar
a quantia imediatamente, sem recorrer a um advogado.
No caso
de uma morte, a empresa também deverá pagar 16 mil DEGs, valor equivalente a
US$ 22 mil (R$ 71 mil) às famílias das vítimas.
Na
hipótese de que todos os familiares reivindiquem o valor de US$ 156 mil (R$ 504
mil), a Germanwings, e sua empresa-mãe, Lufthansa, teria de desembolsar algo em
torno de US$ 30 milhões (R$ 97 milhões).
Mas a
Lufthansa, e em última análise as seguradoras – incluindo a gigante Allianz –
possivelmente terão de pagar uma conta maior do que essa, argumenta Morris.
Negligência
Se a
família da vítima conseguir provar que sofreu perdas econômicas superiores a
113 mil DEGs, cabe a companhia aérea atestar que não foi negligente ou pagar a
quantia exigida. Na
opinião de Morris, nesse caso, a Germanwings teria dificuldade em provar que
seu copiloto, Andreas Lubitz, não foi negligente.
"O
dever da companhia era assegurar que sua equipe seria capaz de pilotar um
avião", disse ele. E esse critério inclui a saúde mental de Lubitz, nota.
"Aparentemente
por causa desse problema um empregado da companhia bateu deliberadamente o
avião contra uma montanha. Do ponto de vista da companhia aérea, ficaria
surpreso se eles negassem suas responsabilidades. Tudo o que as famílias têm de
fazer é provar o valor econômico da perda", observou o advogado.
E esse
montante "seria significativo", acrescentou. Nesse caso, Morris nota
que o custo total do pagamento de uma indenização para os familiares das
vítimas poderia superar US$ 150 milhões (R$ 484 milhões).
Variação
No
entanto, segundo o professor alemão Elmar Giemulla, também especialista em
indenizações, é "muito difícil" estabelecer um valor global para a
remuneração a ser paga pelas empresas em tragédias como essas.
Para
Giemulla, o local de onde as familiares optarem por reivindicar a indenização
poderia alterar radicalmente o montante do valor a ser pago. Isso
porque, explica, o entendimento legal varia de acordo com o país. No Reino
Unido e na Alemanha, por exemplo, os chamados danos morais não poderiam ser
reivindicados em um acidente como o da Germanwings.
"Qualquer
um que perde um filho ou um companheiro nessas condições está completamente
fragilizado. Mas na Alemanha não há nenhuma obrigação legal para o dano
moral", disse Giemulla à BBC.
O
especialista esclarece que, nesses países, a Justiça leva em consideração
apenas a perda financeira. Como resultado, famílias com crianças que tenham
morrido no acidente tendem a receber indenizações menores.
"Em
teoria, não há praticamente compensação para um bebê", acrescentou.
Dor
No
entanto, nos Estados Unidos, as famílias das vítimas têm a opção de reivindicar
uma indenização pela dor causada.
"Nos
EUA, a indenização tenta compensar não só a perda do familiar, mas também a
vida que aquele indivíduo poderia ter", explica.
O voo da
Germanwings, que partiu de Barcelona, na Espanha, com destino a Düsseldorf, na
Alemanha, transportava 144 passageiros e seis tripulantes. A maioria era de
nacionalidade alemã e espanhola, mas também havia cidadãos da Colômbia, México,
Argentina, Venezuela, Reino Unido, Estados Unidos, Holanda, Japão, Dinamarca e
Israel.
No
entanto, talvez o interesse da Lufthansa não seja contestar as indenizações ou
tentar reduzi-las, diz Giemulla.
"A
Lufthansa deveria pagar além de suas obrigações legais. Eles não tem interesse
de manchar sua reputação", supõe.
Silêncio
Muitos
escritórios de advocacia que representam companhias aéreas no Reino Unido se
recusaram a falar com a reportagem da BBC sobre questões de responsabilidade em
caso de acidentes como o da Germanwings.
Mas, no
último final de semana, a Lufthansa informou que pagaria pelo menos US$ 54 mil
(R$ 174 mil) por vítima e que o pagamento não afetaria indenizações futuras.
"Em
apoio à Germanwings, a Lufthansa vai cobrir as despesas ocasionadas por este
trágico acidente, fazendo um adiantamento de até US$ 54 mil (R$ 174 mil) por
passageiro", disse um porta-voz da Germanwings à BBC.
O próprio
presidente da Lufthansa, Carsten Spohr, disse que a companhia aérea tem os
meios e a intenção de tratar as famílias da forma mais justa.
"Poderemos
responder por obrigações financeiras. Nossa prioridade é ajudar às famílias em
tudo o que pudermos", disse Spohr.